17 de fev. de 2012


No contexto escolar ainda é muito comum encontrarmos professores que ao perguntarmos como ocorre a aprendizagem da língua escrita respondem: “A criança vai juntando as sílabas e formando as palavras, de repente dá na criança um estalo e ela passa a ler e a escrever”. Na verdade, vemos que o que acontece não é nenhum sobrenatural e muito menos um estalo. Os estudos de Emilia Ferreiro e outros pesquisadores contribuíram para a prática pedagógica testando e organizando as concepções da criança sobre a linguagem, mostrando em seus estudos que a alfabetização é um longo processo, em que o aprendiz observa, estabelece relações, organiza, interioriza conceitos, reelabora, até chegar ao código alfabético.

Assim, da mesma forma em que todo o ser humano passa pela infância, adolescência até chegar a vida adulta, a criança para construir e reconstruir o código lingüístico apresenta fases ou níveis de desenvolvimento para a construção do pensamento em relação à linguagem escrita.

 Nível pré-silábico

A escrita é concebida como um desenho. Lê em gravuras, fotos e outros. Dividindo-se em duas fases:
  • Fase pictórica: fase caracterizada pelas garatujas, desenhos sem e com figuração.
  • Fase gráfica primitiva: são registros, símbolos e pseudoletras, onde letras e números são misturados. Nesta fase a criança questiona muito o adulto sobre as coisas que vê no meio que a cerca.
  • Fase pré-silábica: nesta fase propriamente dita a criança já difere as letras dos números, desenho e símbolos e já reconhece o papel das letras na escrita.

 Nível silábico

Nesta fase surge a tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõe uma escrita. É um período de maior importância evolutiva, pois é o surgimento do que Emilia Ferreiro denominou “hipótese silábica”, em que cada letra vale por uma sílaba. 

A hipótese silábica pode aparecer com sinais distantes das letras do alfabeto ou aplicar-se a letras sem que se lhes atribua valores sonoros estáveis. Mas ainda nesse período, as letras começam a adquirir valores sonoros (silábicos) com certa estabilidade, estabelecendo-se uma correspondência com o eixo qualitativo: as partes sonoras semelhantes entre as palavras começam a se exprimir por letras semelhantes, o que também é fonte de conflito para a criança quando, por exemplo, produz uma mesma escrita (AO) para palavras diferentes tais como pato e gato.

O conflito entre as hipóteses internas – silábica e de quantidade – é resolvido “acrescentando” um numero maior de grafias que as previstas. Assim, as palavras dissílabas que deveriam ser escritas com duas letras passam a ter três, para atender a hipótese de quantidade mínima, mas conflita com o fato de uma das letras não ter uma emissão possível.

O nível silábico caracteriza-se, portanto, pelos aspectos que se seguem:         
  • Ao descobrir a silaba na fala (e não escrita) a criança sabe que a escrita vincula-se à pronúncia das partes da palavra (hipótese de que a silaba oral corresponde a uma letra);   
  • Tem dificuldade para escrever monossílabos e dissílabos por entrar em conflito com a exigência da quantidade mínima de letras;     
  • Na escrita de palavras tem a preocupação de não repetir letras;     
  • Quando silábico convicto, usa para cada som que emite, uma letra. Não há sobras;     
  • Pode ou não conhecer o valor sonoro convencional das letras e saber utilizá-las;     
  • Pode misturar letra com número na escrita de palavras, apesar de diferenciá-las;     
  • Lê apontando para cada letra;     
  • Leitura silábica;   
Nível silábico-alfabético

A criança ensaia diversas soluções de compromisso sem conseguir absorver as perturbações que surgem e o abandono da hipótese silábica torna-se necessário. Apenas buscando uma divisão que vá além da sílaba, isto é, procedendo a uma divisão da sílaba em sons menores, é possível à criança superar o conflito.
Porém, isso não acontece de imediato. Durante este período ocorrem grandes oscilações entre escrita silábica e alfabética, dando lugar a leituras e escritas que geralmente começam silabicamente e terminam alfabeticamente.
As principais características dessa fase de transição entre o silábico e o alfabético são:         
  • A criança pode acrescentar mais letras em uma palavra para representar o som de uma sílaba;
  • Pode ou não usar o valor sonoro convencional;
  • Começa a fazer sílabas completas nas palavras com mais freqüência quando estas palavras estão em um contexto;
  • Começa a fazer a relação grafema/fonema;
  •  Ainda não descobriu a relação existente entre consoante e vogal, ou seja, que a vogal muda o som da consoante;
  • Em relação à leitura, é uma fase de grande conflito para a criança que pode ainda ler globalmente.      
Nível alfabético

A escrita alfabética constitui o final desta evolução. Ao chegar a este nível a criança já compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba, e realiza sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever.

Descobre que não basta uma letra por sílaba e que também não se pode estabelecer nenhuma regularidade duplicando a quantidade de letras por sílaba (já que há sílabas que se escrevem com uma, duas, três ou mais letras).

Tudo isso, não significa que todas as dificuldades tenham sido superadas, pois a partir desse momento, a criança terá de se haver com as questões ortográficas (pelo lado qualitativo), uma vez que a identidade de som não garante a identidade de letras, nem a identidade de letra, a de som.

A criança finalmente já percebe a estrutura e o funcionamento do sistema de escrita porque apropriou-se desse conhecimento através de sua reconstrução. 


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